Ainda antes de Nico Hulkenberg e a Porsche cortarem a meta como vencedores das 24 Horas de Le Mans, já o director-técnico da Lotus, Nick Chester, colocava uma questão curiosa: com alguma semelhança nas mecânicas utilizadas, conseguiria um monolugar de Fórmula 1 ser bem-sucedido na mais lendária das corridas de resistência? Chester acha que sim!
«Adoraria o desafio de conceber um monolugar de F1 capaz de disputar uma corrida de 24 horas. E com os regulamentos actuais, temos motor e caixa de velocidades capazes de fazer a distância de uma corrida de 24 horas, o que não sucedia no passado, com os V8 atmosféricos e a caixas que usávamos», explica o responsável da Lotus.
Embora seja um pouco discutir o «sexo dos anjos», vejamos como é realista a perspectiva de Nick Chester. Os carros que discutem a vitória em Le Mans (os LMP1) são híbridos, tais como os F1. Aliás, os Porsche que ocuparam os dois primeiros lugares este ano têm um motor pequeno (V4 turbo de dois litros), mesmo assim maior que os motores térmicos da F1 (V6 1.6 turbo). Das quatro marcas oficiais que correram em LMP1 (Audi,Nissan, Porsche e Toyota), apenas os 919 Hybrid vencedores tinham dupla regeneração de energia, de travagem e térmica… tal como os F1.
Claro que todo o restante regulamento é bem diferente, os carros de Le Mans são cerca de 170 kg mais pesados que um F1, há reabastecimentos e todas as regras de «boxes» são bem distintas. Mas isso é de somenos importância neste exercício imaginativo…
Passemos agora ao argumento que tornaria «impossível» a participação de um F1 (adaptado, bem se vê, para correr à noite) numa corrida de 24 horas: são carros feitos para «sprints» e não para provas tão longas. Pois é aí que entram os novos regulamentos em vigor este ano e que tornam mais realista todo o raciocínio: limitando a quatro os motores e caixas a usar durante toda a época, a sua resistência mecânica aumentou consideravelmente, atingindo agora níveis comparados aos dos carros da Resistência.
Exemplo? O motor Mercedes montado no Force India de Sergio Perez nunca foi mudado desde o início do ano. Ou seja, já fez sete fins-de-semana completos de Grandes Prémios (treinos e corridas), totalizando 4787 km de utilização intensa e acabou a última corrida ainda cheio de «saúde»! Não estamos, portanto, assim tão longe dos 5383 km totalizados pelos vencedores deste ano ou dos 5410 km de 2010 que ainda são recorde da prova.
Outros argumentos a esgrimir: os carros de Le Mans serão mais velozes em recta, mas os 341 km/h que Grojean (Lotus) atingiu no G.P. do Canadá também são marca muito boa; os F1 curvam muito mais depressa, mas isso também está relacionado com o peso muito mais baixo; as mecânicas da Porsche e Toyota ultrapassam os 1000 cv, mas é disso que se fala para a F1 em 2017, com os mesmos motores. E, depois, os F1 são imensamente mais rápidos numa volta – a diferença entre a «pole» do WEC, este ano em Silverstone, para a «pole» da F1 em 2014 é de 4,2 s! –, o que lhes deixaria margem para, reduzindo ligeiramente a «performance», aumentar muito a resistência mecânica.
Por fim, há um ponto comum entre F1 e os carros de Le Mans: a incrível eficiência energética que ambos já atingiram, conseguindo consumos verdadeiramente inacreditáveis para motores com tais «performances». Valores de 35 a 40 l/100 km podem parecer um exagero ao comum dos mortais, mas qualquer interessado em competição automóvel percebe que são autênticos… milagres da tecnologia.
Ou seja, neste exercício puramente especulativo, conclui-se que Nick Chester não está a ver mal a coisa… «Os actuais carros de F1 poderiam participar numa corrida de Resistência, o tempo de vida de grande parte dos seus componentes permitiria facilmente. Talvez fosse interessante abordarmos o ACO [organizador de Le Mans] e lançar o desafio», concluiu quase em tom provocador. Pelo menos, entre os conceitos por trás dos F1 e da Resistência há muito mais pontos em comum do que se poderia supor!