O sistema de penalizações usado na Fórmula 1 para controlar a utilização de componentes dos motores pode levar a resultados muitas vezes risíveis, mas não é assim tão complexo de compreender. Ver Alonso ser penalizado em 35 lugares na grelha ou Hamilton em 30 (se não for… em 65!) pode dar vontade de rir, mas decorre apenas da aplicação de um regulamento que, na sua essência, até faz sentido. Obviamente que a sua aplicação prática é outra coisa…
Vejamos, usando os casos concretos de Hamilton e Alonso em Spa, embora tendo primeiro de explicar o conceito por trás da lei. Um motor de F1 é visto como um conjunto de seis «peças» (daí falar-se em grupo propulsor): o motor térmico V6; o turbo; a bateria; a unidade de gestão electrónica; e os dois sistemas híbridos de recuperação de energia de travagem (MGU-K) e do calor do turbo (MGU-H). Cada piloto só pode usar um máximo de cinco de cada um destes componentes durante uma época.
Imaginemos que cada grupo propulsor está guardado numa caixa, às peças… Esgotados os cinco autorizados, sempre que é preciso abrir uma caixa nova para tirar uma sexta, sétima, oitava peça, isso implica uma penalização de dez lugares. Mas se se for buscar uma sexta, sétima, oitava unidade de um outro componente de uma caixa que já esteja aberta, então a penalização é de apenas cinco lugares.
Exemplifiquemos com Hamilton: no primeiro treino montou o sexto turbo e penalizou 10 lugares, mas pelo sexto MGU-H já só sofreu 5; no segundo treino a Mercedes montou-lhe novo motor, ou seja, o sétimo turbo (abriu uma nova «caixa») para mais 10 lugares e o sétimo MGU-H para mais 5. Daí o total de 30 lugares.
Sucede que, com aqueles dois motores novos, Hamilton também esgotou as quintas unidades dos restantes quatro componentes. Ou seja, se hoje após o treino livre a Mercedes decidir montar-lhe um novo motor, receberá 10 lugares de penalização, mais 5 por cada um dos cinco restantes componentes: total parcial de 35 lugares de penalização só neste motor e total final de 65 lugares na grelha no G.P. da Bélgica! Porque, assim como assim, de último na grelha não passa e fica com três motores frescos em mão para o resto da temporada. Ainda para mais na versão mais evoluída, pois a Mercedes gastou cinco fichas de desenvolvimento nos grupos propulsores estreados em Spa, para ambos os pilotos.
As mesmas contas são fáceis de fazer para o caso de Alonso. A Honda estreou a mais recente evolução do seu grupo propulsor, em que gastou sete fichas de desenvolvimento (ainda lhe sobram três), mas o espanhol ficou logo sem ele devido a uma fuga de água. Como era a sua quinta unidade de todos os componentes, teve de «abrir a caixa» do sexto grupo propulsor e tirar todas as «peças»: 10 lugares pelas primeiras, mais 5 por cada uma das restantes 5, daí a penalização de 35 lugares. «Vou partir ao lado do Lewis? Óptimo, vou lançar-lhe uma corda a ver se me arrasta com ele na sua recuperação!», brincava Alonso.
Este sistema de penalizações está bem pensado quando se encara o grupo propulsor como um conjunto de componentes independente mas, quando há muitas mudanças totais de motores ao longo do ano – e foi a época passada da Honda que pôs isso em evidência – acaba por dar resultados difíceis de compreender. No início, estas penalizações impossíveis de cumprir numa prova ou passavam ainda para a seguinte ou eram traduzidas em tempo, mas rapidamente se concluiu que não fazia sentido e passou a limitar-se a penalização máxima ao fundo da grelha.
O que acabou, obviamente, por subverter o espírito da regra. No fundo, o que a Mercedes fez em Spa, sendo totalmente legal, foi usar a lei em seu favor, indo ao «supermercado» dos motores e «açambarcando» tudo o que pôde para «encher a dispensa» de Lewis Hamilton até ao final do ano, com um preço mínimo que, no fundo, não passou de 21 lugares na grelha. Mas é também a jogar com os regulamentos que se decidem os títulos mundiais…