Se este fim-de-semana começa uma nova era da Fórmula 1, faz hoje precisamente 33 anos que se iniciava uma outra que foi fundamental tanto para atrair… como para afastar milhões de adeptos da disciplina: a 25 de Março de 1984, Ayrton Senna fez a sua primeira corrida de Fórmula 1, logo em casa, num G.P. do Brasil disputado no autódromo de Jacarepaguá, Rio de Janeiro.
Senna era já visto há muito como um génio ao volante, depois da forma como dominara por completo os campeonatos britânico e europeu de Fórmula Ford 2000, com 22 vitórias em 28 corridas. E, no final de uma época de tremendos duelos com Martin Brundle, sagrara-se campeão britânico de F3 o que, na altura, era como se fosse campeão do Mundo, tal a importância da competição inglesa…
Várias equipas de F1 andaram atrás dele, a Williams chegou a proporcionar-lhe um teste, mas seria a mais modesta Toleman a contratá-lo para guiar a versão B do carro do ano anterior, o TG183B. Vivia-se nos gloriosos anos dos turbos, mas o motor Hart era frágil, precisamente com quebras frequentes do turbocompressor. Mas foi aí que Senna fez a sua estreia, num carro pouco competitivo que só lhe permitiu qualificar-se em 17.º entre 27, a 5,1 s da «pole» de Elio de Angelis (Lotus/Renault), mas ainda assim batendo o colega de equipa, Johnny Cecotto, que ficou logo a seguir com mais… 1,8 s!
A corrida do brasileiro foi curta, na primeira volta ainda ganhou três posições, mas rapidamente começou a «andar para trás», com perda de potência, até entrar nas «boxes» para abandonar logo à 9.ª volta. Faz hoje 33 anos… Depois, à quarta prova a Toleman introduziu o TG184, bem mais competitivo e que permitiu a Senna, na sua quinta corrida, fazer o memorável brilharete no G.P. do Mónaco debaixo de chuva. O resto da história é por demais conhecido…
Decidimos trazer aqui este episódio não só para homenagear a memória do grande piloto brasileiro mas também com outros intuitos… que, estamos certos, o próprio Senna apreciaria: com base na sua história, colocar a evolução da F1 em perspectiva e olhar de outra forma para este início do Mundial-2017. Primeiro ponto indiscutível: como Senna adoraria poder conduzir os carros que este fim-de-semana se estrearam em Melbourne, com velocidades em curva extraordinárias, a exigir toda a coragem aos pilotos mas também uma condução precisa e uma superior capacidade de controlo do carro, tudo o que o brasileiro mais gostava!
Olhando para a história da sua estreia percebemos também o quanto a F1 evoluiu e se tornou mais competitiva e… mais difícil de se ser bem-sucedido. Hoje, no Q1, o 17.º ficou a 2,4 s do 1.º e não a mais de cinco segundos como ficou Senna em 1984… O pelotão está muito mais compacto, de tal forma que mudou a nossa percepção do que é um carro lento: neste momento é um carro que faz mais 3 s por volta; na altura havia vários carros a fazer mais 8 s por volta!
Na altura havia mais vencedores diferentes do que hoje? Sem dúvida, mas a quantidade de abandonos por falhas mecânicas era gigantesca: nesse G.P. do Brasil, dos 27 que partiram, 18 abandonaram e só um por acidente… É isto que queremos na F1, corridas em que só terminam meia-dúzia de carros?... Nos dias de hoje é normal quase não haver abandonos, o que é notável, dadas as exigências de durabilidade dos motores e caixas que não existiam nessa altura. Veremos amanhã como se comportarão os novos carros, sujeitos a forças muito maiores…
Hoje, Jacarepaguá já não existe, deu lugar ao parque Olímpico do Rio de Janeiro – que, segundo parece, já tem zonas ao abandono… – e, infelizmente, Senna morreu em 1994. Mas não temos dúvida de que, como apaixonado que era pela Fórmula 1 e tudo o que fossem avanços tecnológicos, Ayrton Senna adoraria esta nova era que agora se inicia. O seu trágico desaparecimento afastou milhões de adeptos da disciplina, mas está na altura de ultrapassar esse trauma e nada como o início de uma nova era para trazer de volta aqueles que já vibraram com a energia mágica de uma corrida de F1.
Há que lhes explicar que tudo mudou e que, mesmo que de início as corridas possam não ser fantásticas, tudo está ainda numa fase muito «verde» e há que aprender a guiar estes novos carros e a tirar partido das suas novas qualidades. Porque está a começar uma nova era bem mais vibrante da F1… e Senna bem gostaria de assistir! Os que se afastaram pela sua partida, façam-lhe essa homenagem e venham espreitar a nova Fórmula 1!
PS – Ah, e mais uma coisa: Senna nunca se incomodou por, no seu tempo, o seu quatro cilindros em linha turbo fazer um barulho muito mais seco e desinteressante que os estridentes V12 da Ferrari ou até os V8 Cosworth que lhe tinham povoado o imaginário enquanto adolescente ou piloto em formação…