Quando o Mundial de F1 regressar à actividade, no final deste mês, teremos nove provas para a decisão do título, começando logo com dois circuitos de alta velocidade, Spa e Monza. Mas nesta fase final da temporada uma nova questão se colocará: poderá a fiabilidade e a gestão do limite de quatro componentes do grupo propulsor por piloto intrometer-se e influenciar a luta pelo título? É uma hipótese bem possível e, neste particular, a Ferrari aparece numa situação mais fragilizada…
Como se sabe, os motores são encarados como grupos propulsores compostos por seis componentes: o V6 de combustão interna a gasolina; o turbocompressor; o MGU-H que transforma o calor do turbo em energia eléctrica; o MGU-K que recupera a energia das desacelerações/travagens, transformando-a em energia eléctrica (servindo ambas para um «boost» adicional de potência); a bateria; e a central de controlo electrónico. O regulamento impõe um máximo de quatro unidades de cada um daqueles componentes por piloto, para toda a época. Ao usar um quinto componente, o piloto é penalizado com dez lugares na grelha, mais cinco por cada outro componente extra se for na mesma corrida. Ou seja, um quinto grupo propulsor completo dá 25 lugares de penalização…
Neste momento, a Mercedes tem a situação aparentemente sob controlo. Para se perceber o notável trabalho da marca alemã a nível de fiabilidade veja-se a situação das equipas-cliente, ainda melhor que a da equipa oficial! Já a Ferrari tem uma… «pedra no sapato», pois já está a utilizar o quarto turbo em ambos os carros, ou seja, já atingiu o limite para todo o ano. À partida, parece inevitável que Vettel a Raikkonen, mais cedo ou mais tarde, venham a sofrer dez lugares de penalização na grelha, pois estes turbos não durarão nove Grandes Prémios…
Na verdade, a Scuderia tem um plano de rotação de turbos com que espera conseguir chegar até ao final do ano sem qualquer penalização. Porque, apesar de ter mudado muito cedo para os 3.º e 4.º turbos, foi na altura explicado que os primeiros não tinham ficado totalmente «destruídos» e que poderiam ser reutilizados. E é desta possibilidade que dependem as esperanças de Vettel em não ter sobressaltos na sua luta com Hamilton pela liderança no Mundial.
«A situação é preocupante, pois os nossos turbos partiram várias vezes no início da época, o que nos obrigou a substituí-los muito cedo e a introduzir os turbos n.º 3 e n.º 4.», reconheceu Mattia Binotto, director-técnico da Scuderia, que deu a táctica para o que falta do Mundial: «Entretanto aproveitámos para melhorar a fiabilidade dos novos elementos [o regulamento permite intervenções nos componentes desde que seja em nome da resistência mecânica] que agora funcionam bem. De momento dispomos de uma quantidade e da quilometragem necessária. Organizámos uma rotatividade entre os turbos disponíveis e o nosso objectivo é terminar a época com a quantidade de dispomos actualmente».
Por outro lado, caso o G.P. da Bélgica lhe corra particularmente bem, a Scuderia até se poderá dar ao luxo de penalizar dez lugares em Monza (onde recuperaria facilmente esses lugares) e ficar com um quinto turbo para usar até ao fim do ano… O estado actual dos componentes já usados por todos os pilotos é o seguinte:
Piloto |
Motor V6 |
Turbo |
MGU-H |
MGU-K |
Bateria |
Electrónica |
Lewis Hamilton |
3 |
3 |
3 |
3 |
2 |
2 |
Valtteri Bottas |
3 |
3 |
3 |
3 |
2 |
2 |
Daniel Ricciardo |
4 |
4 |
5 |
3 |
2 |
2 |
Max Verstappen |
3 |
3 |
4 |
2 |
2 |
2 |
Sebastian Vettel |
3 |
4 |
3 |
3 |
3 |
3 |
Kimi Räikkönen |
3 |
4 |
3 |
3 |
3 |
3 |
Sergio Pérez |
3 |
3 |
3 |
2 |
2 |
2 |
Esteban Ocon |
3 |
3 |
3 |
2 |
2 |
2 |
Felipe Massa |
3 |
3 |
3 |
2 |
2 |
2 |
Lance Stroll |
3 |
3 |
3 |
2 |
1 |
2 |
Fernando Alonso |
6 |
8 |
8 |
6 |
5 |
4 |
Stoffel Vandoorne |
4 |
7 |
7 |
4 |
5 |
5 |
Daniil Kvyat |
4 |
4 |
4 |
2 |
3 |
3 |
Carlos Sainz |
3 |
3 |
4 |
3 |
2 |
3 |
Romain Grosjean |
3 |
4 |
3 |
3 |
2 |
2 |
Kevin Magnussen |
3 |
4 |
3 |
3 |
2 |
2 |
Nico Hülkenberg |
3 |
3 |
4 |
3 |
3 |
3 |
Jolyon Palmer |
3 |
4 |
4 |
2 |
3 |
3 |
Marcus Ericsson |
3 |
3 |
3 |
3 |
3 |
3 |
Pascal Wehrlein |
3 |
4 |
4 |
3 |
2 |
3 |
O que salta de imediato à vista são as… duas épocas já acumuladas pela Honda, com claros problemas na fase inicial da temporada, apesar das melhorias nos tempos mais recentes. Também os Red Bull estão sujeitos a recuar dez lugares em qualquer dos Grandes Prémios que faltam até ao fim do ano, dissabor que Daniel Ricciardo já conheceu.
Mas os problemas de fiabilidade que podem desempenhar papel decisivo na luta pelo título podem não vir apenas da lista acima publicada. Que o digam os pilotos da Mercedes que já sofreram cinco lugares de penalização na grelha de partida – Hamilton na Áustria, Bottas na Grã-Bretanha – por terem trocado a caixa de velocidades. Na origem do problema, um programa demasiado agressivo, em que a equipa procurou que o tempo de troca de relações fosse tão rápido que acabou por ultrapassar as tolerâncias de alguns materiais!...
«São estas as regras e são iguais para todos», recorda Valtteri Bottas. «Quando levamos os nossos componentes aos limites corremos estes riscos e, por vezes, pagamos o preço sob a forma de penalizações, mas o ganho em ‘performance’ vale a pena. É verdade que ser penalizado afecta o piloto e a equipa porque são pontos que potencialmente se perdem. Mas veremos como isso vai influenciar a nossa luta com a Ferrari até Abu Dhabi».
De momento, a Mercedes parece ter alguma vantagem neste ténue equilíbrio dos componentes usados e da proximidade de uma potencial penalização. Mas, ao nível a que ambas as equipas se estão a bater, levando máquinas, pilotos e equipas técnicas ao máximo, basta um pequeno erro, um defeito de material mínimo para tudo se poder baralhar. Não será, contudo, de surpreender se as avarias e as penalizações desempenharem, no que falta da época, um papel importante na luta do título. Como dia Bottas: «Faz parte das regras do jogo e essas são iguais para todos!»