E se lhe disséssemos que o G.P. da Malásia, que hoje se realiza pela 18.ª vez, nasceu… no autódromo do Estoril, durante o G.P. de Portugal de 1996?! A história foi-nos desvendada por Domingos Piedade que a viveu por dentro, pela amizade pessoal com os seus principais protagonistas, e incluiu ainda uma importantíssima participação lusitana na formação dos comissários de pista de Sepang!
Corria-se a etapa portuguesa do Mundial de 1996 e mal sabíamos que seria a última vez que a Fórmula 1 nos visitaria enquanto competição – o G.P. de Portugal chegou a estar inscrito no calendário provisório de 1997, mas já não viria a realizar-se. Nesse ano, Peter Sauber tinha descoberto a Petronas como um dos principais «sponsors» da sua equipa – já tinha sido ele a introduzir a Red Bull na F1… –, ocupando grande espaço no C15 pilotado por Heinz-Harald Frentzen e Johnny Herbert.
No G.P. de Portugal, a equipa suíça teve como convidado de honra Mahathir bin Mohamad, o presidente executivo da Petronas que era, em simultâneo, o Primeiro-Ministro da Malásia, cargo que exerceu durante 21 anos! «É uma pessoa extraordinária e tornei-me grande amigo do seu filho Jani», revela Domingos Piedade, antes de contar como tudo se passou, naquele final de Setembro de 96.
«O Dr. Mahathir ficou muito impressionado com o espectáculo a que assistiu e muito agradado com a hospitalidade portuguesa. Para mais, cereja no topo do bolo, o César Torres teve a sensibilidade de o convidar para subir ao pódio e entregar os prémios», recorda. Revisitando esse pódio através das imagens disponíveis no YouTube – de que publicamos um «frame» em que o Dr. Mahathir aparece à esquerda, vestido com a camisa branca da petrolífera – podemos vê-lo a entregar o troféu da vitória dos Construtores a Dick Stanford, da Williams, e mais tarde a entregar as garrafas de champanhe a Jacques Villeneuve (1.º) e Michael Schunacher (3.º).
«Essa ida ao pódio foi decisiva», garante Domingos Piedade que conta: «No regresso a Kuala Lumpur, confidenciou ao seu filho e meu grande amigo Jani que iria construir um circuito ultra moderno, mesmo ao lado do aeroporto internacional da capital malaia». E assim aconteceu, recorrendo ao gabinete de arquitectura do alemão Hermann Tilke que teve em Sepang o seu primeiro grande projecto de um autódromo, construído de facto «encostado» ao aeroporto – agora um dos dois de Kuala Lumpur –, num terreno onde ficava uma floresta de árvores-da-borracha.
Mas a ligação de Portugal ao G.P. da Malásia foi muito além disso. Com pouca ou nenhuma experiência na organização de provas automobilísticas de altíssimo nível e sabendo da reconhecida competência da equipa de comissários de pista do Estoril, os organizadores malaios solicitaram o auxílio da ACDME para a formação e instrução dos comissários de Sepang. «Foi uma equipa com o Armando Pinto e o Eduardo Freitas [hoje director de prova de Le Mans e do WEC!], liderada pelo saudoso Luís Pinto de Freitas, que tratou de pôr aquilo tudo a funcionar».
«Lembro-me de, por alturas da inauguração do circuito [em 1999] ter ido a Kuala Lumpur fazer umas palestras para explicar o que era a Fórmula 1 porque ninguém tinha bem a noção do que se tratava», recorda Domingos Piedade. «O conceito que tinham de desporto era como ir ao futebol, via-se o jogo e ia-se para casa, não lhes passava pela cabeça ir num dia ver os treinos e voltar no outro para ver a corrida…». Foi também nessa altura que Piedade cimentou a sua amizade com Jani Mahathir, bem como com Razalin Razlan, actualmente o CEO do Sepang International Circuit (aparecem, na imagem que publicamos, no meio, à direita e à esquerda, respectivamente).
E eis como, a tantos milhares de quilómetros de distância, se realiza hoje aquele que será, porventura, o mais português dos Grandes Prémios do actual Mundial de Fórmula 1. Ele há histórias verdadeiramente incríveis!