A Fórmula 1, agora há mais de um ano a cargo da nova proprietária Liberty Media, continua a procurar formas de melhorar o espectáculo, não apenas criando uma experiência mais rica para quem vai aos circuitos (com eventos paralelos, concertos, entretenimento no mesmo local ou nas imediações) mas, igualmente, para quem assiste em casa, pelos suportes multimédia. O «show» televisivo está, inevitavelmente, ligado ao espectáculo que as corridas também possam representar – e aumentar o espectáculo é tudo o que a Liberty procura, para valorizar o seu produto.
Ross Brawn, que ficou com a pasta do desenvolvimento técnico e desportivo da Fórmula 1, tem estado a trabalhar com um conselho de especialistas para, antes de mais, tentar resolver o problema da perturbação aerodinâmica. «Estamos no bom caminho e esses estudos avançam a grande velocidade», garante o inglês, campeão do Mundo ao serviço da Ferrari e, posteriormente, com a sua própria equipa Brawn, antes de a vender à actual Mercedes. O gabinete do engenheiro britânico até já adquir um protótipo de utilização em túnel de vento e contratou especialistas para estudar o fenómeno da perturbação aerodinâmica que dificulta a hipótese de um carro perseguir outro de muito perto, ao abrigo das regras atuais.
O próximo passo poderá ser modificar alguns circuitos. Durante a época de 2017, Brawn teve em estudo a possibilidade de alterar algumas das zonas de DRS existentes, para potenciar ultrapassagens. Chegou, inclusivamente, a introduzir alterações nas zonas de DRS do circuito Barcelona-Catalunha, antes do G.P. de Espanha, depois de ter assistido à prova de Sochi sem ter visto uma única ultrapassagem. Mas Brawn reconhece que a F1 não precisa de potenciar a facilidade com que se ultrapassa – precisa de potenciar as lutas em pista, mesmo que não culminem em ultrapassagens.
«O importante é ter o cuidado de salientar que ultrapassar, por si, não dá uma boa corrida. Não chega ultrapassar, e já está», diz o director da Formula One Management para a parte desportiva: «Temos de ter a consciência que boas corridas são carros a lutar entre si. Significa que quem vai à frente pode até conseguir ficar à frente, mas que para isso vai ter que lutar e proporcionar uma grande corrida. É mais complexo do que apenas somar estatísticas de quantas ultrapassagens se fazem», sublinha Brawn.
Para a organização da Fórmula 1, não chega tornar os carros mais «fáceis» de ultrapassar. Os circuitos têm de passar a representar uma variante essencial e Brawn está em contacto com alguns promotores para promover alterações que entenda necessárias. «A habilidade de usar trajectórias diferentes para atacar ou defender numa curva, isso melhora o espectáculo. Um gancho numa pista estreita, não serve para nada. Mas um gancho numa pista larga, ajuda a ter abordagens diferentes e isso é assistir a bons momentos de corrida».
A última prova do ano, no Abu Dhabi, foi criticada pela falta de espectáculo. Hermann Tilke, que projectou o circuito de Yas Marina, declina que a culpa seja do traçado, mas admitiu estar aberto a modificações que ajudem a melhorar as corridas. Tilke também criou o Circuito das Américas, em Austin, usado por Brawn como exemplo: «Austin tem o que eu considero ser um agregado de curvas. Pode ter-se uma trajectória à entrada, o carro que defende usa outra, depois um pressiona o outro, as coisas mudam de uma volta para outra, aí tudo se começa a encaixar. Penso que é por aí que temos de ir».
Mas a melhoria da acção em pista também depende de outros factores, como a durabilidade dos pneus. Em parte, a «responsabilidade» nessa matéria está em alguns dos circuitos mais modernos, cuja superfície muito macia não acelera o desgaste das borrachas. Brawn lembra o episódio em que Kimi Räikkönen se queixou, pelo rádio, que Max Verstappen parecia que tinha pneus diferentes dos dele (eram iguais) e entende que isso é bom para criar incerteza no espectáculo. Mas neste patamar, e ao contrário do que se possa pensar, a responsabilidade não está exclusivamente do lado da Pirelli – que já apresentou sete compostos diferentes, todos mais macios que os deste ano, para estrear em 2018.
Muita da «culpa» do pouco desgaste dos pneus está nas superfícies muito macias de alguns dos circuitos mais modernos, como o do circuito de Sochi. O G.P. da Rússia de 2017, ganho por Valtteri Bottas, não teve ultrapassagens em pista, apesar de ter tido uma interessante luta pela vitória entre o finlandês e Sebastian Vettel. Mas a superfície do circuito do parque olímpico é tão macia, que a corrida só não se completou sem paragens nas boxes porque, por regulamento, é obrigatório usar pelo menos dois tipos de «slicks»! No ano anterior, Nico Rosberg tinha feito todas as voltas da corrida menos a primeira com os mesmos pneus, depois de ter queimado a primeira travagem forte logo após o arranque e de ter antecipado a sua paragem nas boxes para o final da volta inaugural…
«A superfície da pista tem de induzir um certo nível de degradação, porque é isso que ajuda a criar incerteza e mudanças estratégicas», defende Brawn. Uma grande parte dos circuitos mais recentes do calendário, «encomendados» a Hermann Tilke ainda no reinado de Bernie Ecclestone, não são revestidos de asfalto convencional – ou alcatrão, se preferir. Os novos circuitos, como o de Sochi ou mesmo o do México (que não é novo, mas foi totalmente reformulado para a F1 actual), têm índices de abrasão mínimos, muito diferente de traçados mais convencionais, cobertos de asfalto à antiga, como Spa, Monza, Interlagos ou Silverstone. E mesmo esses, note-se, foram reasfaltados em boa parte (ou na totalidade), para eliminar lombas e ressaltos.
Pistas como as do Bahrain ou da China que, em vez de asfalto tradicional, também são revestidas de um arenito cinzento escuro à base de grauvaque e de um composto silicioso, proporcionam uma abrasão maior por causa de factores externos, como a propensão de sujidade por areia do deserto (Bahrain), a poluição e instabilidade meteorológica (China) ou a quantidade de curvas de média/alta velocidade existentes para acelerar o processo de degradação dos pneus.
É toda a receita para um «cocktail» próximo da perfeição que Ross Brawn e a sua equipa procuram. O Grande Prémio da China de 2016 teve o (informal) recorde de 161 ultrapassagens em pista, maior número para uma corrida em piso seco; o do Brasil de 2012, influenciado pela chuva, teve 141 ultrapassagens; dificilmente algum adepto de Fórmula 1 se recorda deles como os melhores de sempre – o que coincide com a visão de Brawn de que as ultrapassagens devem existir, mas não podem ser fáceis, têm de ser conquistadas.