Passaram hoje 32 anos sobre a primeira vitória de Ayrton Senna na Fórmula 1, obtida no G.P. de Portugal, numa corrida épica, numa pista do Estoril totalmente inundada. A história da corrida é por demais conhecida mas, tendo-a vivido de uma forma muito pessoal e directamente com Senna, gostaria de vos contar essa experiência na primeira pessoa. Na altura, trabalhava para o jornal «A Bola», onde começava a acompanhar o Mundial de Fórmula 1.
Abril de 1985, uma manhã de quarta-feira no aeroporto da Portela, espero a saída do brasileiro, passageiro do voo Varig 762. Naquela altura, em que a F1 ainda era novidade em Portugal (era o 2.º Grande Prémio da «era moderna»), era hábito ir esperar os pilotos mais importantes ao aeroporto para ter logo umas primeiras palavras. Para mais, o trissemanário «A Bola» saía à 5.ª feira e seria bom arrancar com a reportagem da F1 logo com declarações da nova estrela em ascensão! Mas com tantos jornalistas à espera, era quase impossível ter uma conversa mais prolongada e consegui combinar com Senna um encontro para a tarde, já no autódromo do Estoril.
Despachados os cumprimentos a engenheiros, mecânicos e demais elementos da equipa Lotus, sentámo-nos junto do muro das «boxes» e, durante largos minutos, sem pressas, Senna foi respondendo a tudo o que lhe perguntei. Sentia o olhar desconfiado do brasileiro, ao ver que não usava gravador e apenas tomava notas num daqueles grandes blocos «Castelo», mas falámos tranquilamente o tempo que foi necessário. Outros tempos, sem a pressão mediática actual…
No dia seguinte, reencontrámo-nos no autódromo logo pela manhã e ele, sorridente, agradeceu «o bom trabalho». Já tinha visto, obviamente, a página inteira de «A Bola» (ainda no formato… gigante!), encimada pelo título «Quando vou a 300 km/h só penso em ir mais e mais rápido!» e com tudo o que ele tinha dito, direitinho, por muito estranho que lhe tivesse parecido o esquema das notas no bloco «Castelo»… Desde esse dia que se criou uma relação de respeito mútuo, óbvio do meu lado pelo piloto que ele era, mas também da parte dele que sempre me «atendeu» com a máxima paciência e atenção.
Depois, viria a sua primeira «pole position» sob um sol resplandecente. E, no dia seguinte, a 21 de Abril de 1985, a primeira vitória na Fórmula 1, passam hoje 32 anos, sob um dilúvio em que demonstrou um controlo superior do Lotus, quando metade dos 16 abandonos foram por piões ou acidente. Prost rodou em plena recta da meta, batendo de traseira no «rail»! Senna deixou o 2.º a mais de um minuto, os 3.º e 4.º a 1 volta e o 5.º (Nigel Mansell num Williams/Honda) a 2 voltas!
Apesar de muitas vezes ter pedido para que a corrida fosse parada, Senna nunca «tirou pé» e, sob condições dantescas, levou o Lotus/Renault à vitória e a crença popular ao ponto de perceber que estávamos perante alguém muito especial. Fez a volta de regresso às «boxes» com os cintos desapertados e meio fora do «cockpit» a festejar, entrou nas «boxes» que estava a ver que Peter Warr e Gerard Ducarouge, da Lotus, lhe saltavam em cima do carro!
Entrou totalmente encharcado na sala das conferências de imprensa, trocámos sorrisos quase cúmplices pela entrevista que, agora, parecia ter sido um talismã e, durante um ror de tempo, ali o vi literalmente a bater o queixo e a tiritar de frio, mas a explicar com toda a tranquilidade como fora a sua primeira vitória. Porque muitas mais se seguiriam…
Anos mais tarde, contudo, o próprio Senna reconheceria que aquela tarde, no Estoril, a sorte tinha desempenhado um grande papel! «Via carros a deslizar para fora em todos os lados. Embora tivesse uma vantagem confortável, era difícil manter a concentração e o controlo do carro. Uma vez quase fiz um pião em frente às ‘boxes’, como o Prost, mas tive a sorte de me manter na pista. As pessoas pensam que não cometi erros, mas não é verdade, nem faço ideia de quantas vezes saí da pista! Uma vez tive as quatro rodas na relva, totalmente descontrolado, mas o carro voltou à pista. Toda a gente disse: ‘Que controlo de carro fantástico!’. Mas foi apenas sorte…».
E compararia a vitória do Estoril com outro marco da sua carreira, a primeira volta na pista molhada de Donington, em 1993: «Disseram que a vitória em Donington, em 93, com a pista molhada tinha sido a minha melhor prestação, mas nem pensar! Até tinha controlo de tracção! Ok, não cometi nenhum erro, mas o carro era tão mais fácil de guiar. Foi uma boa vitória, sim, mais comparada com a do Estoril-85, não foi nada…». E aquela entrevista, pela entrega que sempre punha nas respostas e em todas as explicações que dava, também foi uma das minhas melhores. Valeu, Ayrton!