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E se a F1 se começasse a preocupar com o que é de facto importante?

A Fórmula 1 queixa-se, de forma quase autofágica, de que está a perder «clientela», leia-se fãs e telespectadores, mas também o poder de atrair novos patrocinadores. E são alguns dos seus próprios «actores» que mais criticam o estado do desporto, em incompreensíveis «tiros no pé» que só podem piorar a situação. E, no entanto, como se viu nas últimas duas corridas, em Silverstone e no Hungaroring, os espectáculos proporcionados até foram de altíssimo nível!

Lá virão os críticos habituais dizer que só o foram porque houve factores extraordinários, como maus arranques dos Mercedes, chuva na Grã-Bretanha, «safety car» na Hungria e outras milhentas desculpas, esquecendo que não há nada de extraordinário nisso, que as corridas são feitas disso mesmo! Ainda agora, na Hungria, assistimos a uma corrida vibrante, numa pista que se dizia estreita e impossível de ultrapassar, mas onde os pilotos, criticados por serem pouco carismáticos, se entregaram a magníficos duelos e fizeram com que os espectadores dessem por bem empregue o dinheiro dos bilhetes.

Que terá sido, certamente muito e, aqui sim, podemos entrar nos verdadeiros problemas que a Fórmula 1 deveria resolver. O preço dos bilhetes, muito elevado, é um deles. Mas o mais notável e quase inverosímil pode colocar-se em termos aritméticos simplistas: um dos mais mediáticos campeonatos desportivos de todo o Mundo dá-se ao luxo de, em seis semanas de Verão – mais concretamente nos 48 dias entre o 6 de Julho seguinte ao G.P. da Grã-Bretanha e o 22 de Agosto véspera do G.P. da Bélgica –, ter apenas uma corrida para oferecer aos seus fãs! Que produto é este que desperdiça uma época em que tem a «clientela» mais disponível para o seguir?!...

Foi por causa da anulação do G.P. da Alemanha, dir-se-á. Muito bem, contraponha-se então: que raio de produto é este que não consegue um acordo para manter no calendário uma das provas com sucesso garantido muito antes de começar, a corrida de «casa» dos campeões do Mundo (Mercedes) que até têm um piloto alemão (Rosberg) e com outro alemão (Vettel) a liderar a Ferrari?! Como pôde a F1 deitar porta fora uma oportunidade destas de obter um sucesso retumbante, de recuperar a sua popularidade no mais importante mercado europeu?!

Porque o promotor do Nürburgring não pagou o que devia e o de Höckenheim não quis arcar com as despesas, tendo a prova de 2016 garantida, responde-se. Sejamos honestos: teoricamente, receber um Grande Prémio de F1 parece ser um grande negócio, porque pode pagar-se 30 a 35 milhões de euros a Ecclestone, mas o que entra na economia é, certamente, mais do triplo disso, já para não falar na publicidade ao país/cidade a nível global. O problema é que, do dinheiro que entra, só uma muito pequena parte vai para os bolsos do promotor, o grosso vai para hotéis, restauração e serviços da região.

Assim, sem apoios dos Estados, que promotor privado está disposto a pagar as verbas cada vez mais altas pedidas por Ecclestone?! E, enquanto se começam a falar de problemas económicos dos organizadores do G.P. da Rússia, na linha de mira está já Monza! É também perdendo as pistas mais icónicas da Europa que a F1 corre o risco de se descaracterizar, continuando a afastar adeptos.

É inegável que a morte de Ayrton Senna foi uma terrível «machadada» na popularidade da Fórmula 1, mas a evolução da disciplina também não ajudou em nada. E aqui inclui-se o grande negócio das transmissões dos Grandes Prémios em canal fechado, uma visão de há muitos anos de Bernie Ecclestone que acertou em cheio quando achou que tinha encontrado ali a sua «galinha dos ovos de ouro». Mas foi também uma «bomba ao retardador» que está agora a explodir, porque o fim das emissões gratuitas dos Grades Prémios afastou uma imensa audiência que adorava a F1, mas não o suficiente para pagar por ela… Qualquer quarentão se recordará dos almoços de família, ao domingo, «regados» a Fórmula 1, na RTP, gostasse-se ou não! Por alguma razão em países como a Alemanha e a Itália algumas corridas por ano voltaram a ser transmitidas em sinal aberto…

Por fim – e esta nem será a melhor semana para falar nisto… –, também não ajuda ter uma equipa a «mandar» no campeonato. Mas se o domínio de uma escuderia sempre foi algo cíclico, agora, com a quase ausência de testes e os desenvolvimentos muitíssimo limitados, é virtualmente impossível recuperar a desvantagem ao longo da época. Ou seja, o que se vê nos testes de Inverno e nas primeiras corridas define, mais coisa menos coisa, o que será toda a temporada. Isto não pode atrair espectadores mas, com vontade negocial, haveria de se arranjar uma forma de permitir, por exemplo, à Renault e à Honda que dessem um pulo para se chegarem mais perto da Mercedes e Ferrari.

É destas questões que o futuro da F1 está em suspenso, mas em que os seus responsáveis parecem incapazes de chegar a consensos. Preferem estar entretidos a proibir os pilotos de inventar desenhos de capacetes, a arranjar escapes que façam muito barulho, a calar as conversas dos engenheiros com os pilotos ou a procurar novas estrelas de Hollywood para exibir nas transmissões televisivas dos Grandes Prémios. Assim fica, de facto, complicado recuperar a popularidade da F1. Mais grave: fica difícil atrair quem queira investir a sério numa disciplina com gigantesco potencial, mas que só parece dar importância ao lado circense…


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Acerca do Autor

Enviado-especial do jornal «A Bola» a largas dezenas de Grandes Prémios, nunca deixou de reportar sobre o Mundial, tendo nos últimos anos alargado a sua experiência aos comentários televisivos.