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Para quê fazer os pilotos chorar quando já não sabem o que é a morte?

Tem algum bom senso obrigar vinte pilotos a recordar, em silêncio e profunda emoção, a memória de um dos seus, escassos minutos antes de se meterem nos seus monolugares e correrem um Grande Prémio que envolve os mesmos riscos que roubaram a vida àquele por quem choram?!

Esta pergunta nada tem de provocatório, porque é da mais elementar justiça que os seus pares homenageassem a memória de Jules Bianchi, um piloto querido por todos! Serve, contudo, para reflectir sobre diversos pontos: para começar, à luz do que se passou no início da corrida, sobre se o «timing» da homenagem será o mais correcto; depois, e talvez mais importante, o que significa a forma como muitos dos pilotos lidaram com uma perda que, perdoe-se a crueza, estava de certa forma anunciada.

Christian Horner, da Red Bull, não teve dúvidas em afirmar que a homenagem antes da corrida causou problemas ao jovem Daniil Kvyat, mesmo se o russo até acabou em 2.º. «Eu via-o e percebia-se como ele estava emocionado ao entrar para o carro. A homenagem ao Jules afectou muitos pilotos e ele demorou algumas voltas até acalmar». O próprio Kvyat reconheceu ter sido um milagre ter acabado a corrida tão bem depois de um erro enorme na travagem da primeira curva.

Hamilton queixou-se de ter cometido erros sobre erros ao longo de toda a corrida, achando que nunca conseguiu um bom nível de concentração. Verstappen também cometeu um erro logo na primeira curva. E os dois pilotos visivelmente mais abalados no funeral de Bianchi, Massa e Maldonado, também não passaram incólumes. O brasileiro não viu a marca na grelha onde devia parar o seu carro, o que nunca lhe sucedeu, levando a abortar a partida o que lhe valeu uma penalização. E o venezuelano foi recordista de distracções básicas, nomeadamente com excesso de velocidade nas «boxes» e ultrapassagem atrás do «safety car»!

Estes e outros casos dão a entender que, no geral, o nível médio de concentração do pelotão não foi, na Hungria, o exigível numa corrida de F1. E a culpa, diga-se, não pode ser assacada aos pilotos! «O nosso amor pela competição parece ser maior que tudo, mas foi uma partida muito dura, depois de uma semana muito difícil», lembrou Vettel. «Lembrar o Jules na grelha foi algo de muito emotivo e foi difícil recuperar o ritmo. Mas depois, vemo-nos sozinhos no carro, viseira em baixo e temos tantas coisas para fazer e em que pensar que não sobra muito espaço para outros pensamentos».

Nem todos terão a frieza (e isto não é uma crítica!) e a experiência de Vettel, mas pareceu evidente que a homenagem a Bianchi, para mais com a presença da família do malogrado piloto francês, afectou diversos pilotos, o que não é aconselhável nos minutos que antecedem a partida, sempre arriscada, de um Grande Prémio. Felizmente tudo correu bem! Mas, se o problema é ter todos os pilotos reunidos, talvez fosse mais avisado fazer a homenagem após a habitual parada dos pilotos, algumas horas antes da corrida. A não ser que prevaleça o argumento cínico de que, dessa forma, a transmissão televisiva da corrida não a poderia exibir para todo o Mundo…

Mas este evento leva-nos também a outra constatação prática de algo de que já se desconfiava na teoria: os pilotos actuais podem estar e dizer-se conscientes dos riscos que correm mas não sabem (e ainda bem!) conviver com a hipótese de uma morte na Fórmula 1! Tempos houve, felizmente «exterminados» há mais de três décadas, em que quase todos os anos a comunidade da F1 chorava um dos seus, era quase… um horroroso dado adquirido. Isso acabou no início dos anos 80, até ao choque do brutal fim-de-semana de Imola-1994, quando perdemos Ratzenberger e Senna.

A segurança voltou a ser reforçada – refira-se que muitas das medidas que agora se discutem como motores de 1000 cv, efeito de solo ou reabastecimentos foram banidos por motivos de segurança… – e, durante mais de vinte anos, a morte pareceu definitivamente banida das pistas de F1. Constatação: nenhum dos pilotos actuais tinha visto, alguma vez, um dos seus sofrer um acidente fatal numa corrida de F1. Daí serem naturais as suas reacções tão emotivas e até as dificuldades de concentração ao longo da corrida húngara, acabados de chorarem, uma vez mais, o saudoso Jules Bianchi. Porque os pilotos de F1 chegam a ter características de super-homens mas também são Homens, alguns deles bem emotivos!

Por fim, não querendo passar por «velhos do Restelo», aqui voltamos a bater em tecla por demais tocada: numa altura em que tanto se fala em tornar os carros muito mais rápidos, difíceis de guiar e até arriscados, muito cuidado com limites que não devem ser ultrapassados! Porque ninguém quer recuar décadas e viver tempos tenebrosos que só a «simples» (passe a expressão…) amostra de Bianchi a todos horrorizou!


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Acerca do Autor

Enviado-especial do jornal «A Bola» a largas dezenas de Grandes Prémios, nunca deixou de reportar sobre o Mundial, tendo nos últimos anos alargado a sua experiência aos comentários televisivos.